Por que a gente se acostumou com tantos absurdos?

Um maluco diz que você pode matar um vírus se tomar desinfetante. Outro mostra cloroquina pra uma ema. Na Rússia, o cara proíbe de falar em guerra enquanto ele promove… uma guerra? A gente tá vivendo um surto coletivo com tantos absurdos?

Tá.

Nos Estados Unidos, tem uma galera que pensa que a pandemia é uma mentira da grande mídia. No Brasil, a inflação e o preço da gasolina deixaram de ser assunto porque descobriram uma cena polêmica em um filme… de 3 anos atrás – que o próprio governo tinha dito que era apropriado pra adolescentes.

Às vezes você tem a impressão de que é exaustivo, de que você não aguenta mais, que o mundo virou uma metralhadora de absurdos e a única solução é fugir? Pois é, eu também acho isso o tempo todo. Mas o que a gente está vivendo nada mais é que um reflexo dos nossos tempos. Vou te dar um exemplo:

Sabe quando você senta na frente do computador pra fazer uma coisa, de repente você se distrai um pouquinho, daí mais um pouquinho e, quando percebe, tem 5 abas do navegador abertas e você nem lembra mais o que tinha começado a fazer? Ou senta na frente da TV, pega o celular pra responder uma mensagem e, DO NADA, percebe que você passou 20 minutos no Instagram e já tá vendo a trigésima dancinha no TikTok, se perguntando:

“Como é que eu vim parar aqui???”

Isso acontece porque, cada vez mais, o mundo está disperso, os estímulos são pulverizados, nada mais anda numa linha reta, contínua, que vai de um ponto a outro, como a minha geração e as anteriores estavam acostumadas. Antes, era como se a gente pegasse um carro, saísse de um ponto da estrada e chegasse ao outro, em linha reta, sem nenhuma distração. Agora, é como se dos dois lados da estrada, a gente visse aqueles letreiros de Las Vegas, um parque de diversões, um disco voador pousando no acostamento, uma banda de pagode cantando no meio da pista, nosso celular tocando, macacos entrando pela janela do carro e, ainda assim, a gente tivesse que prestar atenção no volante, nas marchas, no limite de velocidade. Por isso, é cada vez mais comum a gente ver as pessoas colapsando. Sofrendo com o chamado burnout, a estafa dos nossos tempos.

Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições por [Giuliano da Empoli, Arnaldo Bloch]
Livro do franco-italiano Giuliano Da Empoli

E isso que aconteceu nas nossas vidas, acontece nas salas de aula, no seu trabalho, em todos os lugares. E aconteceu também, claro, na política. Eu postei aqui um livro muito interessante, chamado “Os Engenheiros do Caos”, que conta como estrategistas e marqueteiros de campanhas conseguiram identificar essa dispersão nas nossas vidas e conseguiram lucrar com isso – tanto com a vitória dos seus candidatos como estourando de ganhar dinheiro também.

Funciona assim:

Lembra daquela imagem sua na frente do computador ou da televisão, perdendo o foco do que você ia fazer?

Pois bem.

Isso acontece porque as redes sociais sabem EXATAMENTE como te distrair. Elas sabem que você já perdeu muito tempo vendo vídeos fofos de gatinhos se espreguiçando ou ouvindo um coach de relacionamento ou vendo o novo treino daquele personal sarado ou se informando sobre qual modelo tá pegando aquele jogador de futebol ou a última polêmica que falaram no BBB. 

Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, todos eles CONHECEM você. Sabem do que você gosta. E ficam te bombardeando cada vez mais com esse conteúdo.

Acontece que os engenheiros do caos, esses caras que têm guiado as campanhas políticas pelo mundo, aprenderam a lucrar com isso. E começaram a soltar, entre um vídeo e outro de gatinho se espreguiçando ou de polêmica do BBB, alguma mensagem que também chamasse a sua atenção. E a da sua tia. Do seu primo. Dos seus pais. E assim eles foram construindo uma ideia antissistema, contra tudo e contra todos, mostrando que o mundo é uma grande conspiração e a gente precisa ser salvo dela – puros absurdos. Poxa, mas eles jogam tudo isso sem apresentar projeto nenhum, sem pensar numa saída pros problemas?

Sim.

Lembra a parte de que o mundo não é mais linear, que a gente não precisa mais sair do ponto A para o ponto B?

Quando um problema real chega – tipo, sei lá, revelações de uma CPI, mais um escândalo de corrupção ou mais um aumento na gasolina -, é só jogar mais um “vídeo de gatinho”, falar alguns absurdos, censurar um filme, mandar tomar desinfetante, mostrar cloroquina pra uma ema. É distrair o motorista naquela estrada já cheia de distrações.

E se você chegou até o fim desse vídeo, provavelmente está esperando uma saída, uma alternativa, e eu já adianto: nem eu nem o livro temos. Isso porque o mundo agora é assim e já não tem mais como voltar atrás. Se seus filhos pequenos ou sobrinhos ainda não fazem dancinha no TikTok, é uma questão de tempo: daqui a pouco eles estão lá e não tem como retroceder nessa nova forma de se encaixar no mundo.

Seu sobrinho vai fazer dancinha.

Seu colega de trabalho vai ter burnout. Você ainda vai se perguntar 1 milhão de vezes se a única solução é fugir. Mas calma. Apesar de não existir uma resposta pra como resolver o problema, é preciso lembrar que quanto mais a gente conhece uma doença, maior a chance de a gente encontrar o tratamento.

E que, além disso, ninguém tá sozinho nessa.

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