O genocídio pré-pandemia

De um tempo pra cá, a gente tem ouvido e falado muito que o que está acontecendo no Brasil é um genocídio. Existem diferentes interpretações sobre esse termo; uma delas, a do dicionário Oxford, é “destruição de populações ou povos”.

https://youtu.be/VzZ0JGxgDjE

No meu entender, se um governo prefere ouvir um grupo de lunáticos negacionistas sobre uma pandemia, ao invés de ouvir gente séria, e essa atitude leva milhares de pessoas à morte, existe, sim, uma destruição de toda uma população. E, portanto, genocídio.

Mas o que eu quero falar nesse vídeo de hoje é que tem um povo que já há um bom tempo, aqui no Brasil, tem usado o termo “genocídio” pra denunciar um extermínio que acontece todos os dias por aqui, antes mesmo da pandemia. E que é uma situação que a gente não pode mais aceitar, como sociedade.

Pra gente começar essa conversa, um dado do Atlas da Violência, feito pelo Ipea, que é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: de cada 20 assassinatos que acontecem no Brasil, 15 são de pessoas negras.

E mais:

Em 10 anos, a taxa de homicídios de negros no Brasil aumentou 11,5%. Nesse mesmo período, a taxa de não-negros assassinados caiu 12,9%.

Tem muitos outros dados que daria pra trazer aqui, os homicídios entre homens negros, entre jovens negros etc. Mas o ponto central é: esse genocídio da população negra no Brasil é um projeto político. Porque quando os governantes, as autoridades, os candidatos a cargos públicos ignoram esse extermínio, quando não falam a respeito, quando silenciam sobre as tragédias… isso é um projeto político.

E essa desigualdade racial, que não é só ligada a homicídios, mas também a oportunidades, salários, empregos, acesso a saúde, educação, enfim, uma infinidade de aspectos, está diretamente relacionada também com a desigualdade social. Que é um dos principais problemas que a gente precisa enfrentar nesse país.

A morte trágica da Kathlen, a mulher grávida assassinada por um tiro de fuzil no Rio de Janeiro, não é um caso isolado. Eu, do alto dos meus privilégios de ter pele clara e morar num bairro de classe média de São Paulo, fico apavorado todas as vezes que eu vejo casos como da Kathlen nos jornais e ouço as pessoas dizendo: “Basta! Chega!”

Porque eu, que não estou lá, que não faço ideia do que é enfrentar diariamente essa situação, infelizmente sei que não vai acabar. Enquanto a gente não discutir, por exemplo, a política fracassada da Guerra às Drogas.

Uma tragédia sem fim

Enquanto a gente não enfrentar essa ideia de que não adianta deixar toda uma população inocente no meio de um fogo cruzado quando os verdadeiros criminosos, os caras que financiam o tráfico de drogas e de armas não estão lá.

A maior apreensão de fuzis da História do Rio de Janeiro aconteceu no bairro do Méier. Mas o dono delas, acusado de matar a Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, morava num condomínio na Barra da Tijuca, área nobre da cidade. 

Coincidentemente, o mesmo condomínio do presidente da República.

Mas por que essa guerra só se dá na favela?

Vai me dizer que cocaína só tem no morro? Não tem na Zona Sul?

O que explica, então, que a população negra e pobre desse país possa viver no meio desses tiroteios enquanto o morador da Barra da Tijuca, do Leblon, do Itaim Bibi, em São Paulo, da Savassi, em Belo Horizonte, ou de Boa Viagem, no Recife, não seja incomodado pela polícia?

Como é que nossa sociedade age como se essas pessoas fossem invisíveis, como se os direitos delas não importassem – desde que aqui, no asfalto, no bairro bom, tudo esteja bem? 

Que vê o único jeito possível que eles têm de chamar a atenção do resto da sociedade, aqueles protestos que fecham ruas, queimam pneus como uma “ameaça ao trânsito”?

E aí, algumas perguntas que cabem aqui, pra provocar a você, a mim, a todos nós: quando foi que a gente tentou fazer alguma coisa pra mudar isso? Sem ser criar hashtag, postar foto no Instagram, comentar com uma nota de pesar?

Qual é a solução?

Eu não sei. Tem gente muito séria que estuda e tem propostas pra sociedade debater. Mas o que eu sei é: dá pra gente seguir assim? Dá pra gente continuar aceitando a matança do povo negro e pobre desse país pra manter essa política de narcóticos que é ineficiente, que é enxugar gelo? Que não diminuiu em nada o uso de drogas no país?

E quando a gente não faz nada, quando a gente não age pra tentar mudar essa situação, que diferença tem de receber 50 e-mails com ofertas de vacina e, igualmente, não fazer nada? Quando a gente ignora, dá de ombros, acha que não é com a gente… eu, você, sua família… nós… não estamos sendo coniventes com um genocídio?

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