Demagogia e o vazio do discurso “anti-corrupção”

Um dos jeitos mais fáceis de acirrar a polarização, colocando uns contra os outros é inventar um conflito onde não existe: dizer, por exemplo, que “se você não se engaja na luta contra a corrupção, você apoia os corruptos” é um puro suco de demagogia.

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“O maior problema do Brasil é a corrupção!”
“A corrupção no Brasil é um câncer!”
“A gente tem que exterminar a corrupção no Brasil!”

Todo mundo já ouviu todas essas frases, né? E ainda ouve.

Hoje eu vou explicar por que esse é um discurso manipulador, demagógico e, portanto, vazio.

O mantra aqui desse canal, que eu falo em quase todos os meus vídeos, é: política é encontrar consenso onde existe dissenso. Onde as pessoas discordam, pensam diferente, a política vai lá e tenta achar uma solução. Depois, claro, de muita conversa, debate, diálogo.

Debate de verdade

Pra achar consenso, é preciso ter o dissenso. Quando se discute, por exemplo, a descriminalização das drogas, existe dissenso. Um grupo é a favor, outro é contra.

Quando a gente fala em tornar o aborto um direito de qualquer mulher, existe dissenso. Há quem concorde, há quem discorde.

Mas quando a gente fala de corrupção… você já viu alguém se levantar e dizer: “eu discordo, eu sou a favor da corrupção, acho que político tem mesmo é que roubar!”

Isso não existe.

Mesmo quem é corrupto não vem a público dizer que é a favor da corrupção. Então quando alguém levanta uma bandeira contra a qual ninguém se opõe, quando alguém diz que é terminantemente contra uma coisa que ninguém é a favor, o que está sendo feito não é política, é demagogia.

E eu não estou falando só daquele seu tio no WhatsApp, que vai na manifestação com camiseta da CBF, não. Esse é o manipulado. Eu estou falando dos grupos políticos que manipulam. Que levam as pessoas a reproduzir esse discurso, criando um inimigo em comum, pra poder passar outras pautas sem que esse seu tio do WhatsApp perceba.

Eu explico:

Esses grupos políticos têm vários objetivos, né? Eles acham que a educação tem que ser assim, que a economia tem que ser assim, que todo mundo tem que estar armado, que o SUS tem que ser desmontado etc. São metas que geram discussão política. Que geram dissenso. Que precisariam ser debatidas com a sociedade, pensadas junto com o coletivo. Dialogadas com todo mundo.

Só que essas metas geram muito dissenso. São polêmicas, são difíceis de serem aprovadas. Dá trabalho. Tem que convencer muita gente.

Então, como eu faço para que as pessoas se unam em torno do meu projeto? Eu apresento uma proposta demagógica. Vazia. De que ninguém pode ser contra. E aí, quando alguém se posiciona contra, eu digo que não está a favor do Brasil.

Corrupção!

Se você não concorda com o meu projeto de poder, é porque você é a favor da corrupção. Da roubalheira.

E, claro, eu não sou a favor da roubalheira. Então vou dar dois dados aqui pra mostrar como esse discurso é demagógico e, pior, hipócrita – que você pode mandar lá pro seu tio no WhatsApp.

As contas desse discurso

Em 2010, a Fiesp, a Federação das Indústrias de São Paulo, fez um levantamento de quanto a corrupção custa pro Brasil. E a Fiesp está longe de ser uma entidade comunista, né? Então, a gente acredita que não passou pano pra ninguém.

De acordo com o levantamento deles, R$ 69 bilhões por ano.

É claro que esses números devem ser bem maiores, afinal, não existe uma contabilidade da corrupção. Quem rouba não declara no Imposto de Renda, né?

Geralmente usa laranja. Ou loja de chocolate.

Mas, enfim… E aí seu tio com a camiseta da CBF fala: “tá vendo!? Isso podia ter virado escola, hospital, metrô!”

E, cá entre nós: ele tem razão.

Mas aí vem o segundo dado, esse do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. De acordo com eles, o Brasil perde por ano R$ 417 bilhões em sonegação fiscal.

Dinheiro que é roubado do Brasil pelos cidadãos (ricos, diga-se de passagem, porque o pobre tem imposto já retido na fonte, descontado na folha de pagamento) e que podia ter virado… escola, hospital, metrô.

Mas ninguém sai na rua pra protestar contra a sonegação fiscal!

Por quê?

Ora, porque a corrupção é um problema do outro. “Político que é ladrão. Eu não!”Quem rouba o país sonegando imposto, pelo contrário, é um herói! “É impossível pagar tanto imposto nesse país! E não ter retorno de nada. Não ter qualidade no serviço público.”

Opa, olha aí! Um dissenso! A gente paga muito imposto no Brasil? Deveria diminuir? É urgente uma reforma tributária?! Bingo! Aí a gente tem uma discussão política. Que, claro, não justifica ninguém sonegar. Só que é uma discussão política.

Mas a pegadinha do discurso de combate à corrupção está justamente aí: a ideia não é discutir. É polarizar. Se você está contra meu projeto, você é a favor da corrupção, logo, você defende bandido, logo, eu te odeio. Você é meu inimigo, eu tenho que lutar contra você.

E pior é que essa pessoa nem percebe o quanto está sendo manipulada pela demagogia. Que a luta contra a corrupção não é mais que a obrigação de quem ocupa um cargo público e, portanto, a gente deveria se ocupar discutindo outras questões pro desenvolvimento do país.

E que levantar a bandeira anti-corrupção, uma bandeira a que ninguém se opõe, só com a finalidade de polarizar e colocar “nós contra eles” é ser parte de uma manipulação. É deixar de pensar por conta própria nos assuntos que realmente podem gerar debates, que podem melhorar a vida das pessoas, a nossa sociedade como um todo.

Bem… ano que vem é ano eleitoral.
Vocês estão preparados?

Um comentário em “Demagogia e o vazio do discurso “anti-corrupção”

  1. O Brasil está doente de polarização ! Uns foram acometidos inocentes, outros por que eram bandidos mesmo, se viram representados.

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