Por que odiamos a política?

“Política não se discute”. Fomos ensinados a não questionar. Querem que as escolas não questionem, que as crianças tenham visões únicas de mundo. A quem interessa a alienação?

https://www.youtube.com/watch?v=r62vpL0xcw4

Na instalação da CPI da Covid, um senador disse que a comissão não deveria ser politizada.

Um senador. Um político.

No Senado. Uma Casa política.

Disse que uma Comissão Parlamentar – ou seja, formada por políticos – não deveria ser… politizada.

Por que algumas pessoas consideram política uma coisa tão ruim? E isso não é um fenômeno brasileiro, a eleição do Trump, nos Estados Unidos, foi baseada nesse discurso do “outsider”, o cara “de fora da política”, como se isso fizesse dele alguém mais preparado pra lidar… com política.

A gente cresceu ouvindo que “política não se discute”. Claro, pra elite dominante que fez a política do Brasil por séculos e séculos, era muito melhor ensinar pras pessoas que política não deveria ser discutida. Assim, o povo não ia questionar as decisões que eles tomavam.

Mas a política é basicamente discussão. A essência da política – eu já disse aqui outras vezes – é buscar consenso onde existe dissenso.

Um exemplo prático, do dia-a-dia

Sábado à noite, você não quer cozinhar na sua casa, a família decide pedir comida. Mas você quer comida japonesa. Seu companheiro ou companheira quer pizza. E seu filho quer hambúrguer. Bom, se a gente vivesse numa sociedade em que “delivery não se discute”, está resolvido. Todo mundo vai dormir com fome.

Mas como felizmente o delivery é uma coisa passível de discussão, começa uma negociação. E essa negociação passa por vários estágios: argumentação, cessão – porque, claro, alguém vai ter que ceder -, e até, veja você, o tão falado “toma-lá-dá-cá”.

Sim, ele faz parte dessa negociação. Tipo: “tá bom, eu aceito a pizza, mas eu que escolho os sabores”. Ou ainda: “ok, hoje a gente pede hambúrguer, mas na semana que vem é japonês”.

A política mesmo, se a gente levar em consideração a definição grega, a de Aristóteles, que o ser humano é um ser político, se refere à forma como a gente se organiza em sociedade. Esse exemplo do que pedir pra comer em casa não interfere na coletividade maior, no seu bairro inteiro, no país, claro. Mas é uma forma de organização da sua casa, na relação ali com o marido, a esposa, o filho ou a filha. Quem cede hoje, quem vai ceder depois.

Mas, hoje, parece que fazer política virou errado. “Estão politizando a pandemia!” “Politizando o vírus!” “Politizando a CPI!” Mas se o ser humano é um ser político, como disse Aristóteles, qual o problema de fazer… política?

Esse raciocínio raso e equivocado que tomou conta das discussões de uns anos pra cá, vem de uma outra bobagem que criaram pra impedir que a gente discutisse a sociedade: a de que pensar é errado.

Política e ideologia

A gente entrou numa onde de que “A esquerda tenta impor a ideologia dela”, “Eu não tenho ideologia!” Sendo que, nas muitas formas de definição de ideologia, uma delas é simplesmente um conjunto de ideias. Ora, se você é contra “a ideologia da esquerda”, significa que você pensa, que você raciocina, que você tem ideias – supostamente melhores. Ou seja, você tem uma ideologia.

Inventaram pra gente que era preciso ser imparcial em absolutamente tudo! Criaram um movimento de “Escola sem Partido”, uma baboseira de que professores “doutrinavam as crianças desde cedo”.

Aliás, essa baboseira é das minhas preferidas que circulam por aí.

Primeiro porque, se os professores estão “doutrinando as crianças com a ideologia da esquerda” desde 2003, quando Lula assumiu o governo, foram 15 anos de “doutrinação comunista” que culminaram…. 

Que doutrinação mais incompetente foi essa?!?!

Amo também o argumento de que “professores têm que contar a História de maneira imparcial”.

Como é que se ensina a escravidão com imparcialidade? Ou o Holocausto? Sem provocar uma discussão entre os alunos pra que eles, claro, tirem as próprias conclusões sobre os horrores que a gente já viveu? As guerras, as revoluções?

E qual o melhor espaço para se discutir, debater, incentivar o diálogo de pensamentos diferentes… que a sala de aula? Tem gente que defende que essa discussão tem que acontecer em casa. Mas se você já tem a sua cabeça formada e passa essa mesma formação pro seu filho, você não quer que ele se torne um ser pensante, mas reproduza o que você já pensa!

E quando ele crescer, for trabalhar, for lidar com o mundo, ele não vai encontrar só gente que pensa como ele. Ele vai ter que lidar com o diferente, o diverso, o adverso. E aí, o que ele vai fazer se ele não aprendeu desde cedo que o mundo é composto de muitas ideias diferentes?

E que a arte de conviver com todas elas e conseguir se organizar numa sociedade é… política?

Politizem a CPI.

Politizem a pandemia! Porque as decisões que foram tomadas (e as que não foram tomadas) pelos políticos, afetaram a vida (e a perda de vidas) de muitos brasileiros.

Viver em sociedade é viver na política.

E pensar a política não é crime, não é errado, muito pelo contrário, talvez seja o que nos falta.

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