O Dia da Mentira e o golpe militar de 1964

Primeiro de abril. Dia da mentira.
E aniversário do golpe militar de 1964.

Sim, 1º de Abril.
Até nisso os militares mentem pra você.

Eles dizem que aconteceu no dia 31 de março, mas isso é bem fácil de verificar. Eu fui lá nos arquivos da Folha de S.Paulo e procurei o jornal de 1º de abril de 1964, que, como todo jornal, claro, traz as notícias do dia anterior. E a manchete é: “II Exército domina o Vale do Paraíba”. Mas quando a gente vai na edição do dia 2 de abril de 64, a manchete é: “Congresso declara presidência vaga”.

Capa da Folha de S.Paulo de 1º de abril de 1964
Capa da Folha de S.Paulo de 1º de abril de 1964
Capa da Folha de S.Paulo de 02 de abril de 1964
Capa da Folha de S.Paulo de 02 de abril de 1964

Ou seja, o golpe militar de 64 aconteceu no dia da mentira.

E essa não é a única mentira que eles contam.

Eles dizem também que o país só cresceu na ditadura, que não tinha corrupção, que não tinha miséria… claro, tudo mentira. Mas antes de falar do golpe militar em si, deixa eu contextualizar um pouco aquele período.

O mundo vivia na chamada Guerra Fria e estava dividido entre duas grandes potências. De um lado, os Estados Unidos e seu capitalismo, que a gente sabe muito bem como funciona, é esse sistema socioeconômico perfeito em que a gente vive, que não tem miséria, não tem desigualdade, ninguém passa fome ou necessidade. E de outro lado, a União Soviética, querendo que os países adotassem o comunismo. Falar sobre o comunismo é um vídeo à parte e eu prometo que um dia eu gravo.

Mas aqui é importante destacar que os capitalistas jamais souberam conceituar o comunismo. Se você pergunta pra um capitalista: “O que que é comunismo?”, ele vai responder:

– Aquilo que tem lá em Cuba! Na Venezuela!
– Tá, mas sem citar Cuba ou Venezuela, o que que é comunismo?

Tela azul.

Porque durante essa guerra ideológica que caracterizou a Guerra Fria, os capitalistas escolheram o caminho mais fácil quando você quer atacar uma ideia: a mentira.

– “Comunista come criancinha!”
– “Se o comunismo chegar no Brasil você vai ter que dividir a sua casa com morador de rua!”
– “Comunista não acredita em Deus!”

E, gente, se tem uma coisa nessa vida que movimenta as elites e, consequentemente, a classe média, é o medo. Daí o Exército falou: “fiquem tranquilos, povo brasileiro, nós vamos livrar nosso país dessa tragédia!” E afundou o país numa tragédia.

Pensa o seguinte: sabe aquele seu parente de quem você discorda? Você pode ser de esquerda e ele de direita, ou você de direita e ele de esquerda. Imagina que esse seu parente, que tem opiniões totalmente contrárias às suas, discorda radicalmente de você, ele assumiu o poder.

Um golpe militar, uma ditadura, seja de esquerda ou de direita, é a imposição das convicções através da força. Sem margem pra discordância. Quem discorda de mim, que saia do país. Ou vá preso. Ou morra, eu vou lá e mato. Simples assim. Não há espaço pra oposição. Pra quem pensa diferente. Pra questionamento.

Tinha ainda a censura.

Nenhum jornal podia publicar notícias ruins, dizer que a economia ia mal, que o desemprego aumentou, noticiar casos de violência…

Sempre que alguém diz “eu vivi aquele tempo e nunca sofri nada nem vi ninguém sofrendo”, primeiro, é de um individualismo abissal, é como dizer “eu nunca passei fome, logo, a fome não existe”. Ou “e daí que tem gente morrendo? Eu não sou coveiro!”

Não é porque um problema não te atinge que ele não existe. E a sensação de que não existia, assim como o 1º de abril, também era uma mentira. Porque tudo que ia a público passava antes pelas mãos de um militar.

Na cultura, a mesma coisa.

Músicas, peças de teatro, tudo passava por censura prévia. Aí, pra quem está pensando: “ah, isso seria bom; não ia ter música com essas letras pornográficas, com baixaria, eu odeio isso”. Mas aí é que está a pegadinha quando a sociedade pensa em ditadura.

Porque você está imaginando uma ditadura com a qual você concorda. O exercício pra ver como esse horror é repugnante, trágico, terrível é imaginar o seu opositor – aquele parente lá -, no poder. Tudo o que você pensa seria criminalizado. O que você gosta, o que você acredita.

É por isso que o esforço pra manutenção da democracia tem que ser de todo mundo. Qualquer aceno a essa tragédia tem que ser repudiado. Qualquer tentativa de transformar em heróis esses covardes que torturavam, matavam quem pensava diferente ou de comemorar esse horror tem que ser repudiada.

No processo político, na definição de políticas públicas, a única saída inventada até hoje é a democracia. Eu já disse aqui: a política é a arte de encontrar consenso onde existe dissenso.

Imagina uma reunião de condomínio em que você quer uma coisa, seu vizinho quer outra. O síndico precisa ponderar as duas opiniões, negociar uma decisão. Na ditadura, o síndico mata um dos vizinhos. Isso não pode ser bom, não pode ser aceitável.

A democracia, ainda que muito difícil, trabalhosa, exaustiva… não é melhor?

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