Revolta da Vacina: foi em 1904 ou é agora, em 2021?

Há 117 anos, a população brasileira se revoltou contra a obrigatoriedade de se tomar uma vacina para conter a varíola; lembra alguma coisa que está acontecendo neste ano?

Quero chamar a atenção de vocês pro que disse um senador aqui no Brasil sobre as vacinas:

“Todos os estudos demonstram que a vacina não tem efeitos gerais nem absolutos. Há casos de indivíduos que, mesmo vacinados, contraíram a doença. A vacina pode envenenar pessoas. Cada um deve decidir sobre a adoção desse recurso. Isso, porém, não querem Vossas Excelências. Vocês querem mandar nos corpos alheios.”

Se por algum momento você pensou… “hmmm, ele tem razão” e concordou com alguma coisa do que ele disse, eu quero te informar que esse senador era Barata Ribeiro e esse discurso foi feito em 1904, há 1 século mais 17 aninhos. E me parece que, em 117 anos, a Ciência evoluiu um pouquinho, né?

Vamos falar da Revolta da Vacina. Que não foi bem por causa da vacina, a vacina foi só um estopim, a gota d’água pra problemas que já vinham de muito tempo. Primeiro, a gente precisa contextualizar essa época.

O Rio de Janeiro dessa época

Você se lembra que a escravidão foi abolida em 1888, fazia só 16 anos, então. Vamos recordar que o Brasil arrancava pessoas à força da África, trazia pra cá pra serem escravos e um dia, “do nada”, falou: “olha, pessoal, esse negócio de escravo não tá pegando bem lá fora, muitos lugares já deixaram pra lá, a gente precisa estar em sinergia com as novas tendências do mercado… (Será que eles tinham coaches na época?) Enfim, vocês estão livres. Sucesso aí, tá?” E não deram absolutamente nenhuma forma de ajuda.

Essas pessoas, que foram arrancadas da suas cidades, das suas famílias, das suas origens foram abandonadas à própria sorte. Elas não tinham sequer onde morar e começaram a ocupar espaços de forma desordenada, criando cortiços, aglomerações urbanas que são as origens de favelas e outras formas de moradia que a gente conhece hoje. Não vou entrar em detalhes aqui, porque vou focar na vacina.

Mas é importante deixar claro que o abandono dessas pessoas por parte do Estado brasileiro, que foi quem traficou e patrocinou o tráfico dos escravos, arrancou do lugar de origem delas, é o que até hoje se discute como dívida histórica ou reparação histórica. Quer dizer, eu te tirei à força de onde você vivia, te escravizei aqui e depois de te dei um joinha, você tá livre, para de mimimi, vai chorar até quando? Enfim, isso, claro, é um absurdo.

A capital “tinha que ser bonita”

Só que essas pessoas tornaram a cidade do Rio de Janeiro, que era a capital federal, num lugar feio, né? As elites da época achavam que eles viviam na Europa.  (Será que só as da época?)

Eles tinham inveja da Belle Epoque, de Paris, daquela vida linda e glamourosa. E esses cortiços aí, né, gente, essas aglomerações isso aí deixa a cidade feia, espalha doença, vamos dar um jeito nisso tudo que tá aí, né?

Então, nesses lugares, as doenças pela falta de saneamento básico e outros cuidados de higiene se espalhavam com facilidade e levavam a uma má fama do Brasil, né? Pra se ter ideia, tinha navio que vinha da Europa que desviava do Rio de Janeiro e ia atracar em Buenos Aires.

Então o presidente Rodrigues Alves quis mudar essa situação. E ele decidiu “higienizar” o Rio. Um dos aliados dele nessa missão era o médico Oswaldo Cruz, a quem Rodrigues Alves chamou justamente para combater as epidemias na capital.  Ele, hoje, é quem dá nome à Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, que produz uma das vacinas contra o coronavírus.

Mas a política do governo não era conscientizar. E eu estou falando de 1904, tá? Eles simplesmente destruíam as casas pra abrir avenidas, invadiam os barracos procurando criadouros de larvas, enfim, o morador da favela não tinha dignidade nenhuma, o Estado fazia com elas o que eles queriam.

De novo: eu juro que estou falando de 1904.

Inclusive na parte de não ter saneamento básico nas casas.

Muito bem, neste novembro de 1904, a varíola era um grande perigo pra população. E, sob o comando do Oswaldo Cruz na área da Saúde, o governo propôs a vacinação obrigatória das pessoas.

Ah, e aqui tem um fato bem divertido: a vacina contra a varíola era feita a partir de uma estrutura de vacas doentes. E aí corria um boato, na época, de que quem se vacinasse, podia virar… gado. Não era nem jacaré. É sério. Tem até charge de jornal da época. E tinha uma galera também que acreditava que, ao invés de evitar, a vacina provocava a doença.

Charge em jornal de 1904 "brincava" com a piada de que vacinas contra a varíola podiam transformar as pessoas em vacas
Charge em jornal de 1904 “brincava” com a piada de que vacinas contra a varíola podiam transformar as pessoas em vacas
Mas continuando a história.

Não foi exatamente por causa da vacina que a revolta explodiu. Foi o conjunto da obra. O povo pobre já estava cansado de não ter direito nenhum. E ainda por cima o governo vai me obrigar a tomar uma vacina? Nem a pau. E saiu quebrando tudo.

Tem foto até de bonde tombado pelos manifestantes. Que parece muito com os ônibus queimados quando os moradores de comunidades protestam hoje em dia, né? Você vê como é importante estudar História? Mais de um século depois, essas pessoas seguem sendo oprimidas de uma maneira muito parecida.

Enfim, foram alguns dias de saques, incêndios, pancadarias, tiroteios, mortes até que… eles venceram? Não. Os militares tentaram dar um golpe. Sim, é 1904. E eles fracassaram: o Congresso decretou estado de sítio e manteve a lei de vacinação obrigatória – mas decidiu que não ia ser muito rigoroso pra fiscalizar.

Quatro anos depois, em 1908, uma outra epidemia muito violenta de varíola atingiu o Rio de Janeiro e, veja só, as pessoas espontaneamente resolveram se apresentar pra vacinação. Elas se conscientizaram dos danos da doença.

Mundo livre da varíola

O Brasil registrou o último caso de varíola em 1971 e, em 1980, a Organização Mundial de Saúde declarou que, por conta da vacinação em massa, o mundo estava livre da varíola.

Depois de 117 anos da Revolta da Vacina, a gente vê uma situação muito parecida hoje. Alguns questionamentos são até legítimos, por exemplo: o laboratório se isentar de danos futuros que a vacina pode causar, pra mim, parece mesmo um absurdo. Mas a gente também tem que levar em conta que os números de casos já caem entre as populações que foram vacinadas e que a situação, hoje, no mundo inteiro, é muito grave.

É compreensível se questionar de um negócio que está sendo enfiado no nosso corpo, mas quantas vezes você já se preocupou com a quantidade de agrotóxico que a gente ingere? Produtos que comprovadamente causam câncer e que o governo autoriza a colocar nos alimentos?

As vacinas que já existem pra covid, segundo todos os estudos que a gente tem até agora são seguras, são eficazes e são a saída pra gente voltar a uma vida mais próxima do que era o normal. Eu não vejo a hora de tomar a minha.

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