A gente deve dar voz ao Bolsonaro?

foto em preto e branco de mulher com o indicador na frente dos lábios cerrados, fazendo sinal de silêncio
Como permitir a liberdade de expressão sem ultrapassar limites de uma sociedade civilizada?

Estamos numa democracia. Liberdade de expressão é um dos pilares da democracia. Tem até aquela frase atribuída ao Voltaire, que todo mundo adora citar — com variadas diferenças de tradução — , que soa como “posso não concordar com suas ideias, mas defendo até a morte o direito de expressá-las”. Então pronto, raciocínio concluído, diante disso tudo, a resposta é sim. Bolsonaro é um deputado legitimamente eleito, representa seus eleitores, tudo bem dar voz a ele, em respeito ao grupo que representa.

Mas calma.

Ontem, 13 de março de 2017, a Folha de S.Paulo publicou uma entrevista com ele. O título era “Não é a imprensa ou o STF que vai falar o limite pra mim, diz Bolsonaro” (não vou colocar o link da entrevista aqui antes de concluirmos se ele deve ou não ter voz). Mas, bem, uau!

Se a Suprema Corte do nosso país — mesmo sendo a Suprema Corte com o Gilmar Mendes, para quem o PT estabeleceu uma cleptocracia no Brasil se beneficiando de caixa 2, mas o caixa 2 do PSDB precisa ser “desmistificado”; a Suprema Corte do Alexandre de Moraes, acusado de ter plagiado suas teses acadêmicas — ; enfim, mesmo sendo essa Suprema Corte, é a instância máxima do Judiciário brasileiro. Ela diz, sim, o limite de cada cidadão, ainda que você discorde dela. Caso contrário, você pode ir para a cadeia. (Exceto se você for o Renan Calheiros).

É fascismo?

É muito complexo definir o fascismo por conta de suas inúmeras características mas, entre algumas delas, está a ênfase ao militarismo (na entrevista à Folha, Bolsonaro diz que tem “simpatia enorme das Forças Armadas”) e o domínio de um grupo que se considera superior em relação a outro, considerado inferior. Circula pela internet um vídeo no qual Bolsonaro diz claramente que, no Brasil, “não tem essa historinha de Estado laico, não, é Estado Cristão” e que “as leis devem existir para defender as maiorias; as minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”.

Desaparecem como? Como seria esse desaparecimento num eventual — e Deus nos proteja, para ser bem cristão como ele quer — governo Bolsonaro? Quem decide quem é minoria? Todos aqueles que pensam diferente dele? A esses, na concepção dele, não se pode dar voz?

Bolsonaro diz que não é machista, mas diz também que “não estupraria” uma mulher que considera “feia”, e que depois chamou de “vagabunda”. Será que num governo dele as mulheres que “se adequem ou simplesmente desapareçam”?

Bolsonaro diz que respeita todas as pessoas, mas também diz que se um dia virar presidente, “não vai ter 1 centavo para Direitos Humanos” (2’28”). Será que as comunidades pobres do Rio de Janeiro, por exemplo, onde, em 2016, 3 escolas fecharam por dia letivo por conta de tiroteios, ficarão sem poder contar com umas das poucas instituições que olham por elas, as de Direitos Humanos? Ou, se não gostarem, que “se adequem ou simplesmente desapareçam”? É essa a liberdade que esse grupo político prega?

Bolsonaro diz que não é homofóbico, mas diz também que ser gay é falta de “levar um coro”. Num eventual — Deus nos livre — governo Bolsonaro, homossexuais serão espancados “até virarem homens”? Ou, se não gostarem, que “se adequem ou simplesmente desapareçam”?

É crime?

O Estado Islâmico chocou o mundo ao circular na internet imagens de seus presos sendo decapitados. Ninguém está preparado para uma cena dessas, por mais acostumado que esteja com a barbárie — mesmo um médico que atende feridos da guerra urbana ou um jornalista que cobre a guerra no campo de batalha.

Pouca gente também poderia imaginar que outro ser humano fosse capaz de provocar o aborto em uma mulher grávida de 3 meses, pulando em cima da barriga dela. Isso aconteceu no Brasil e não foi sob o comando do Estado Islâmico. Quem comandou essa tortura foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem Bolsonaro dedicou seu voto pelo impeachment. O relato desta monstruosidade está no relatório da Comissão da Verdade da Prefeitura de São Paulo.

Há tanta declaração errada, imprópria de Bolsonaro, que daria pra classificá-lo com muitos outros adjetivos. Mas a pergunta que intitula esse texto tem que ser respondida: a gente deve dar voz a ele? Bolsonaro representa muitos brasileiros. Muita gente pensa como ele. Mas, em nome da liberdade de expressão, a gente pode sacrificar o direito de outro cidadão?

A resposta é não.

lei 7.716/89, sancionada pelo então presidente José Sarney, em seu artigo 20, diz que é crime:

Art. 20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Ou seja, é crime, ninguém pode sair por aí com uma suástica tatuada no braço ou estampada numa camiseta em nome da liberdade de expressão. Ela não se sobrepõe, nem deve se sobrepor, ao direito da coexistência pacífica com aquilo que é diferente.

Por que, então, a liberdade de expressar o que o deputado e seus eleitores pensam, quando isso ultrapassa o limite de respeito ao próximo, deve se sobrepor ao direito de quem está sendo ofendido? Por que eu, você, no Facebook, ou os próprios meios de comunicação damos voz a isso? Não é possível discutir política respeitando o diferente? Não é mais maduro, mais produtivo?

Eu acho que é. Por isso, você não vai achar aqui o link para a entrevista da Folha.

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